A los muchachos de Colombia

Este é um texto de Fernando Vallejo, escritor colombiano naturalizado mexicano. Foi lido por ele num discurso feito no encontro Ibero-americano de Escritores, em Bogotá, no ano 2000. O texto original em espanhol pode ser encontrando nos seguintes links: El Tiempo e Verdades Parciales.

(Tradução atualizada em 11/07/2024)

A morte como estranguladora, de Alfred Rethel

Aos rapazes da Colômbia:

Vocês que tiveram a má sorte de nascer, e no país mais louco do planeta, não sigam a corrente, não se deixem arrastar pela sua loucura. Pois embora a loucura ajude a suportar a carga da vida, ela também pode adicionar infelicidade.

O céu e a felicidade não existem. São contos de seus pais para justificar o crime de tê-los trazido a este mundo. O que existe é a realidade, a dura realidade: esse matadouro ao qual viemos para morrer, isso quando não matamos e comemos os animais, nossos próximos. Porque os animais também são nossos próximos, e não apenas o homem, como acreditou Cristo. Qualquer um que tenha um sistema nervoso capaz de sentir e sofrer é nosso próximo: os cães, os cavalos, as vacas, os ratos. Meus irmãos cães, meus irmãos cavalos, minhas irmãs vacas, meus irmãos ratos, que também fazem parte da Colômbia. Ou seja, de vocês. Ou seja, de mim.

Portanto, não se reproduzam. Não façam com outros o que fizeram com vocês. Não paguem com a mesma moeda, o mal com o mal, já que impor a vida é o crime máximo. Deixem tranquilos aqueles que não existem, que não estão pedindo para existir, na paz do nada. No final das contas, é para lá que todos nós voltamos. Para que tanto rodeio?

A pátria da qual fazem parte por acaso, da qual fazemos parte por acaso, é um país falido, em debandada. Umas pobres ruínas do pouco que antes foi. Milhares de sequestrados, milhares e milhares de assassinados, milhões de desempregados, milhões de exilados, milhões de deslocados, o campo em ruínas, a indústria em ruínas, a justiça em ruínas, o futuro interrompido: é isso o que vocês têm. Compadeço-me. Foram piores com vocês do que comigo.

E, assim como eu, que um dia tive que ir embora justamente por causa do que falo hoje (vivo, ao que parece), vocês provavelmente também terão que ir. Porém, ninguém vai recebê-los em lugar algum, porque lugar nenhum precisa de nós ou nos quer.

Um passaporte colombiano num aeroporto internacional causa terror: “Quem será? Por que está aqui? O que traz? Cocaína? Irá ficar aqui?” Não. Não viemos ao mundo para ficarmos. Viemos de passagem, como o vento, para depois morrermos. Às vezes a passagem desse vento causa estragos e tem nome: se chama Pablo Escobar1, se chama Miguel Rodríguez Orejuela2, se chama Carlos Castaño3, se chama Tirofijo4, se chama Gaviria5, se chama Samper6, se chama Pastrana7. Aprendam a dar os nomes corretos para a infâmia.

Quando nasci, encontrei aqui uma guerra entre conservadores e liberais que arrasou com o campo e matou milhares. Hoje, a guerra continua, mas mudaram os participantes: é de todos contra todos e ninguém mais sabe quem foi que matou quem. Ninguém sabe, ninguém se importa, ninguém pensa em averiguar. Por quê? Para quê? Para que, se nenhum assassino será castigado no país da impunidade? Para que, se nosso presidente vai em peregrinação abraçar nosso principal delinquente8, como se dissesse com a iniquidade desse abraço: “matem, roubem, extraiam, destruam, sequestrem, mas sim, façam-no plenamente para que fiquem com o que resta da Colômbia!”

E aqui vamos nós, pelas ruas deste país engarrafado, entre cães e crianças abandonadas, desviando o corpo dos buracos, das balas e dos impostos do governo e das FARC. Mas para onde vamos? Onde pretendemos chegar? Nós somos muitos e nós já não nos suportamos nem nos encaixamos. Tornamo-nos um incômodo para os outros, de quem estamos bebendo a água, respirando o ar, contaminando os rios, engarrafando as ruas. O ar vai acabar, a água vai acabar, as ruas já não são suficientes e esses grandes e fantásticos rios da Colômbia que, quando eu nasci, fervilhavam com peixes, nós também matamos. Hoje os rios da Colômbia são esgotos que correm para o mar, um desaguadouro de cloacas.

Não se reproduzam porque ninguém lhes deu esse direito. Quem poderia dar? Deus? Deus que é tão bom e que cuida das crianças e dos cães abandonados que enchem as ruas da Colômbia? Que ele procure ocupação! Deus não trabalha. Isso de que no sétimo dia ele se sentou para descansar... Das crianças e dos cães abandonados que enchem as ruas da Colômbia quem se ocupa é o Papa.

Tenho vivido em desespero e me parece que vocês terão que viver da mesma forma. Um dia, tive que ir embora, sem querê-lo, e me parece que vocês também terão que fazer o mesmo. O destino dos colombianos de hoje é partir. Claro, se eles não nos matarem antes. E, aos que conseguirem sair, não sonhem que vocês conseguirão escapar, pois onde quer que estejam, a Colômbia os seguirá. Ela os seguirá como me seguiu, dia após dia, noite após noite, onde quer que eu tenha ido, com sua loucura. Algum momento de alegria efêmera vivido aqui e irrepetível em outros lugares vai acompanhá-los até a morte.


1 Escobar liderou o cartel de Medelim até ser morto em 1993.
2 Orejuela foi um dos líderes do cartel de Cali, hoje está preso nos EUA.
3 Castaño foi líder da guerrilha de direita AUC. Morto em 2004.
Tirofijo foi o líder das FARC, guerrilha comunista. Morreu de ataque cardíaco em 2008.
Gaviria foi presidente da Colômbia (1990-1994). Seu governo construiu La Catedral, uma prisão com especificações de Pablo Escobar para servir como seu quartel general, onde ele cumpriria apenas cinco anos e não seria extraditado aos EUA. No final o acordo não deu certo, Escobar fugiu, mas foi morto por tropas do governo.
Samper foi presidente da Colômbia (1994-1998). Sua campanha foi acusada de ter recebido dinheiro do cartel de Cali e ele foi processado. A câmara dos deputados o absolveu por 111 votos contra 43.
Pastrana foi presidente da Colômbia (1998-2002). Seu governo criou uma zona desmilitarizada do tamanho da Suíça para as FARC (guerrilha marxista-leninista) e para o ELN (guerrilha comunista inspirada na teologia da libertação).
O escritor se refere ao encontro entre Pastrana e Tirofijo, onde o presidente abraçou o líder das FARC.