COLAPSO! Addendum
No meu último texto, falei sobre a teoria do colapso da civilização industrial devido à inevitável escassez de combustíveis fósseis, algo que a humanidade enfrentará ao longo do próximo século, talvez mais um pouco, dependendo do quão espertos formos em racionar os recursos.
Resumindo bastante, o argumento é o seguinte: demoramos desde o início da nossa breve história na Terra até o ano de 1800 para atingirmos a marca de um bilhão de pessoas. Então, descobrimos como extrair energia do carvão, petróleo e gás, fontes altamente densas e relativamente abundantes de energia, e de lá para cá a população humana aumentou em quase sete vezes e meia por causa dessa abundância energética. Para se ter uma ideia, quando nasci, haviam menos de cinco bilhões de pessoas no mundo. "Mas você é velho, deve ter uns cinquenta anos." Eu não tenho nem trinta e cinco. Pessoas que vieram ao mundo em meados da década de noventa, nasceram num planeta onde só viviam cinco bilhões e seiscentas milhões de pessoas.
Mas esses recursos vão acabar. Falando apenas de petróleo, o pico de descobertas de novos poços já aconteceu na década de 1960—aliás, mesmo se contarmos a descoberta de depósitos de xisto betuminoso, ainda assim, o pico de descoberta de petróleo já foi alcançado. Os pessimistas, pessoas como um ex-presidente e outros dirigentes da Aramco (a estatal de petróleo da Arábia Saudita), acreditam que já entramos no pico de produção—que é diferente do pico de descoberta e geralmente ocorre após algumas décadas dele. Os otimistas dizem haverá um pico da demanda antes de um pico da oferta (produção) de petróleo.
Foi o advento dessas fontes baratas e abundantes de energia que nos tornou capazes de realizarmos muito mais trabalho e de aumentarmos assustadoramente a produção, inclusive a produção intelectual responsável por gerar inovações médicas (penicilina, vacinas) e tecnológicas (novas sementes, mecanização, pesticidas). Não é uma questão de opinião, é um fato: sem os combustíveis fósseis não estaríamos nem arando uma roça neste momento, porque não teríamos nascido. A população humana dificilmente chegaria a sete bilhões e quatrocentas milhões de pessoas, que é o número atual. Seria impossível chegarmos aos dez bilhões que as Nações Unidas estão projetando para o meio do século XXI.
Teorias econômicas que ignoram as restrições físicas e naturais que nos cercam—praticamente toda a teoria neoclássica, de onde saiu o neoliberalismo, e a teoria marxista—e atribuem ao intelecto humano uma capacidade sobrenatural, muito além da que temos, só pioram o panorama. Não foi a toa que os países capitalistas e socialistas rivalizaram, ao longo do século XX, uma espécie de corrida macabra para ver quem mais degradava o meio ambiente—informação que surpreende muitos anti-capitalistas que lutam pelo meio ambiente e que consideram o capitalismo como sendo a única fonte de coisas ruins.
Não é que o intelecto humano seja incapaz de encontrar uma solução. O problema é que, quando a solução não nos agrada, fingimos que o problema não existe.
Não é que o intelecto humano seja incapaz de encontrar uma solução. O problema é que, quando a solução não nos agrada, fingimos que o problema não existe.
Mesmo a tecnologia "limpa", que usa fontes não poluentes e renováveis de energia, não nos salvará. O incentivo ao uso de energia limpa faz o preço da energia suja cair e, num segundo momento, faz com que a demanda e o consumo pela energia suja aumente. É um beco sem saída. Mesmo se forçarmos o uso da energia limpa e renovável, impedindo as pessoas de utilizarem fontes de energias sujas na base da porrada, como você acha que os motores elétricos, painéis solares e usinas hidroelétricas são construídos, mantidos e operados? Não é através do poder do amor. Sem combustíveis fósseis, essas coisas não são fabricadas, mantidas e operadas. Não entrarei aqui na questão da petroquímica, plásticos e da indústria farmacêutica--todas dependentes de petróleo em abundância.
Seria possível converter o mundo ao uso de energia limpa? Seria. Não será feito a tempo de impedir as graves consequências (já não dá mais tempo), mas seria possível sim. É aí que entra o tópico deste breve adendo: o colapso do planeta provavelmente virá antes do fim dos combustíveis fósseis.
Recentemente, a World Wide Fund for Nature, mais conhecida pela sigla WWF, divulgou seu relatório para 2016. A situação é deplorável. Entre 1970 e 2012, a atividade humana, numa taxa de 2% ao ano, reduziu o número de animais vertebrados em 58%. Este número chegará a 70% em 2020. Assim como não entrei em aquecimento global no outro texto, também não entrarei neste. Não precisa. Sim, a mudança climática causada pelo homem piora mais ainda a situação, mas mesmo que ela não existisse, já estaríamos fodendo o planeta a níveis irrecuperáveis.
Mencionei no texto anterior como a atividade humana já utiliza 40% de toda a fotossíntese terrestre. Podemos um dia utilizar 80%. Dificilmente utilizaremos 120%, porque não temos outro planeta. Não sou expert no assunto—aliás, não sou expert em nada—, mas algo me diz que se vertebrados continuarem a desaparecer à uma taxa de 2% ao ano pelos próximos dez, vinte, trinta ou quarenta anos, o planeta inteiro corre o risco de entrar em colapso.
Como chegamos nesta situação trágica de sabermos que estamos matando o planeta (e consequentemente mantando a nós mesmos), sabermos o que tem que ser feito (consumirmos absurdamente menos), mas sabermos que nada será feito (não vamos mudar o nosso comportamento)?
De novo, o problema é a energia abundante e barata. Qualquer organismo precisa consumir energia para existir. De acordo como físico Erwin Schrodinger (sim, o do gato...) a vida nada mais é do que um sistema que troca alta entropia por baixa entropia através do consumo de energia. Alguns argumentam que a existência da vida e a segunda lei da termodinâmica formam um paradoxo: um sistema fechado sempre caminha para a desordem—aumento da entropia—, mas a vida é um sistema de aumento da ordem. O paradoxo é resolvido quando se entende que o planeta Terra não é um sistema fechado, que recebe energia de graça do Sol.
Qualquer organismo, quando se depara com um paradigma de fontes energéticas abundantes, irá consumi-las como se não houvesse amanhã. Isto inclui nós, seres humanos. A obesidade nada mais é do que é do que um reflexo desse fenômeno. Por isso é muito mais fácil fazer com que crianças não engordem tirando refrigerantes e outras comidas altamente calóricas da cantina do colégio e geladeira de casa, do que esperar que elas, por livre e espontânea vontade, não consumam. O mesmo acontece com adultos. Aliás, nossos corpos acumulam gordura através de um processo similar. Evoluímos para acumularmos o máximo de gordura possível, porque na natureza simplesmente não há a abundância calórica que passou a existir depois da agricultura (10 mil anos atrás) e, mais recentemente, depois da sociedade industrial.
"Mas uma coisa é a energia para comer, outra é a energia dos combustíveis fósseis"
Não. As duas são a mesma coisa quando paramos para analisar que organismos utilizam energia para realizar algum tipo de "trabalho". Um motor movido à combustível fóssil realiza uma quantidade de trabalho que levaria muito mais tempo para um único homem realizar--aliás, ele nunca conseguiria. E o trabalho que o homem realizaria, seria através de energia vinda de alimentos. Ou seja: energia é energia.
Mas digamos que conseguíssemos, num passe de mágica, energia limpa, renovável e abundante. Seria ótimo, não? Não. Seria uma bosta. Iria resolver, quem sabe, o problema dos gases causadores do efeito estufa. Mas não resolveria o fato de que continuaríamos—e potencialmente expandiríamos—a chacina que promovemos na Terra com as outras espécies. Não mudaria em nada o desmatamento constante, a destruição do solo—toda a agricultura que sustenta os sete bilhões de seres humanos só existe graças a processos industriais e ao uso de agentes químicos capazes de fazer o solo produzir muito mais do ele produziria naturalmente.
Estamos, basicamente, arregaçando com a vida na Terra. E não vamos parar. O colapso, seja da forma que for, é inevitável. Inclusive caso solucionemos o problema da energia. O nosso planeta é um sistema complexo que exploramos até não poder mais. Vai chegar um momento em que estaremos ferrados e não será possível fazer absolutamente nada.
Seria necessário que todas as análises estivessem erradas para que um ou mais eventos catastróficos (pior cenário do aquecimento global, extinção em massa, etc) causados pela atividade humana não acontecessem ao longo do próximo século. E, caso algum desses eventos aconteça, todas as previsões sobre como nós seríamos afetados precisariam estar erradas para que conseguíssemos nos safar.
Seria necessário que todas as análises estivessem erradas para que um ou mais eventos catastróficos (pior cenário do aquecimento global, extinção em massa, etc) causados pela atividade humana não acontecessem ao longo do próximo século. E, caso algum desses eventos aconteça, todas as previsões sobre como nós seríamos afetados precisariam estar erradas para que conseguíssemos nos safar.
Talvez fosse melhor que o carvão, petróleo e gás acabassem logo.
Referências: