COLAPSO!
Acho saudável reservarmos um espaço nas nossas cabeças para ideias não muito aceitas. Há quem faça isso pesquisando sobre OVNIs e fantasmas—assuntos que, comicamente, confesso gostar. De uns tempos para cá, porém, o tema (supostamente) inútil e não-aceito pela maioria que mais tem me fascinado é o colapso da civilização industrial. Este texto é minha singela contribuição a esse assunto interessantíssimo. As referências para todas as informações contidas aqui se encontram no final. Como de costume, peço desculpas por utilizar referências em inglês.
POPULAÇÃO
De acordo com os registros fósseis, o homo sapiens anatomicamente moderno passou a habitar este planeta há cerca de 200 mil anos atrás. Há 70 mil anos atrás, a estimativa é de que haviam entre mil e 10 mil pessoas no mundo. Há 10 mil anos atrás, quando os seres humanos começaram a deixar o nomadismo e passaram a adotar a agricultura como meio de vida, estima-se que a população humana era de pouco mais de 5 milhões, com outras estimativas variando entre 1 e 15 milhões.
2 mil anos atrás, a população mundial era de 300 milhões. Mil anos depois, a população havia crescido muito pouco—talvez 10 milhões de cabeças a mais. Por volta do ano 1800, a população do mundo atingiu a marca de 1 bilhão. Quer dizer, demoramos quase 200 mil anos para chegarmos ao primeiro bilhão de pessoas. Fizemos isso manipulando os recursos naturais que o planeta nos dava.
A principal fonte de energia usada para sustentar a vida humana até então vinha do Sol. Mesmo o vento que soprava as velas dos navios respondia, e ainda responde, aos comandos da energia solar despejada continuamente na Terra. De resto, a força bruta humana e animal eram as responsáveis pelo trabalho exercido.
Para todos os efeitos, até a invenção das máquinas e motores movidos à combustível fóssil, a raça humana vivia de uma maneira relativamente sustentável. Nossa agricultura era orgânica até as primeiras décadas do século XX. Foi a descoberta dessas novas fontes de energia não-renováveis e, também, os usos diversos do petróleo para além da energia (na produção de plásticos, borracha, asfalto, pesticidas e tudo o que podemos imaginar), que permitiram o próximo salto populacional.
Entre 1800 e 1927 a população saltou de 1 bilhão para 2 bilhões. É importante que isto seja absorvido: levamos desde a pré-história até o ano 1800 para atingirmos o primeiro bilhão de pessoas; o segundo bilhão, graças à energia gerada pelo petróleo e carvão, demorou apenas 127 anos. O terceiro bilhão veio apenas trinta anos depois, em 1960, graças, além dos combustíveis fósseis, à avanços na medicina, saneamento e agricultura. Mas, todos estes avanços não seriam possíveis sem um mundo movido à combustíveis fósseis.
O quarto bilhão veio quatorze anos depois, em 1974. O quinto veio treze anos depois disto. O sexto, doze anos depois, em 1999. Hoje, no final de 2016, temos uma população mundial de cerca de sete bilhões e quatrocentos milhões de pessoas.
ENERGIA
A humanidade, até a revolução industrial e a descoberta dessas fontes de energia, era sustentada através de uma combinação da força física do próprio homem, dos animais que ele domesticava e da natureza. O Sol despejava uma certa quantidade de energia em nosso planeta e nós utilizávamos essa energia para crescer comida. Com as calorias que essa comida nos dava—e dava para os nossos animais—, construímos o mundo que existiu até então.
As tecnologias que inventamos e propagamos até aquele momento, como, por exemplo, a navegação à vela, eram inovações que tornavam mais eficientes o uso da energia produzida pelo Sol e transformada na Terra em ventos, chuvas, plantas, etc. Para todos os efeitos, por mais malévolos e expansivos que tivéssemos sido até então, a humanidade tinha uma certa "harmonia" com o que o nosso planeta poderia gerar. Era lindo (sarcasmo).
Há aqueles que dizem que o problema começou ainda na revolução neolítica, com o surgimento da agricultura, mas não vou entrar nesse ponto. O fato é que os combustíveis fósseis mudaram de forma muito mais radical o paradigma populacional humano do que a agricultura mudou há dez mil anos atrás. A agricultura possibilitou que a Terra comportasse um bilhão de nós, o petróleo e o carvão permitiram sete bilhões—e eventualmente chegaremos a pouco mais de dez bilhões, segundo projeções das Nações Unidas.
E como isso foi possível? Simples. Peguemos o petróleo.
Um barril (159 litros) de petróleo contém o equivalente energético de 1.461.600 kcal (1 barril = 5.800.000 BTUs; 1 BTU = 0,252 kcal). Para causar um efeito dramático, chamarei quilocalorias (kcal) apenas de "calorias", algo que estamos acostumados a dizer quando nos referimos ao valor energético das comidas que ingerimos. Então, um barril de petróleo possui o valor energético de quase um milhão e meio de calorias.
Um homem, realizando um trabalho manual onde ele gasta 2.000 calorias ao longo do dia, teria que trabalhar 731 dias para gastar as 1.461.600 calorias. Isto quer dizer que há o equivalente energético de dois anos de trabalho manual em um único barril de petróleo. Com a abundância que tivemos de petróleo desde meados do século XIX até os dias atuais, podemos dizer que é quase como se tivéssemos energia "infinita" de graça.
O salário que teríamos que pagar para um homem realizar o mesmo trabalho em termos de valor energético é gigantescamente maior do que o custo de um barril de petróleo "caro"—digamos, cem dólares o barril. Se você pagasse cem dólares para alguém trabalhar por dois anos, este trabalhador ganharia menos do que qualquer escravo ao longo da história humana.
Mesmo se o preço do barril passar um pouco de cem dólares, ainda assim deveríamos considerar essa abundância energética como uma espécie de "milagre". Se compararmos com o que utilizávamos antes, a densidade energética do petróleo é quase mágica.
Foi essa abundância energética que nos permitiu interligar o globo, aumentar o tamanho das cidades e o número delas, aumentar a produção e a distribuição de comida, aumentando assim a população mundial. Foi graças aos combustíveis fósseis que fomos capazes de realizar muito mais trabalho do que antes. Graças a eles que conseguimos construir tantas coisas e ter tantas pessoas com "tempo livre" para pensar nas universidades, gerando mais inovações científicas, tecnológicas, etc.
Não fosse toda essa energia, muitas das pessoas responsáveis pelos avanços científicos e tecnológicos dos últimos dois séculos provavelmente teriam "desperdiçado" suas vidas trabalhando na roça ou em algum trabalho manual árduo. A civilização humana só é o que é hoje graças ao combustível fóssil. Ele é a base de tudo o que fazemos, nada chega perto. É por causa dele que hoje temos a capacidade de manter até dez bilhões de pessoas vivas no planeta.
Mesmo a revolução verde dos anos de 1960 (quando, através do uso de técnicas diversas, como a mecanização, pesticidas e novas sementes foi possível aumentar a produção agrícola mundial) só foi possível graças à essa energia abundante e barata—todas as outras inovações seriam impraticáveis sem a mecanização. Um avião liberando pesticidas é muito mais eficiente do que centenas de pessoas fazendo a mesma tarefa do solo. E aviões são movidos à petróleo.
PICO
Combustíveis fósseis têm esse nome porque são fontes de energia formadas a partir de restos de compostos orgânicos antigos, que passaram por processos geológicos diversos ao longo de milhões de anos onde sua composição química foi alterada até que eles se tornassem em petróleo, gás natural e carvão. Basicamente, estamos usando restos de seres vivos e plantas que habitavam a Terra há centenas de milhões de anos para mover nossa civilização e criar a maioria de todos produtos que consumimos (plásticos e outros derivados de petróleo).
A natureza demorou centenas de milhões de anos para produzir as reservas de petróleo, carvão e gás que descobrimos e usamos ao longo do último século e meio. No ritmo de consumo atual, queimamos em um ano o que a natureza levou alguns poucos milhões de anos para gerar. É por essa razão pela qual os combustíveis fósseis não são considerados fontes renováveis de energia. Os restos de compostos orgânicos que utilizamos como energia são mais antigos que os dinossauros—e utilizamos isso como se fosse algo infinito.
Os Estados Unidos já foram os maiores produtores de petróleo do mundo. Falo aqui de produção, não do tamanho das reservas. Na década de 1950, o geofísico M. King Hubbert previu que o pico de produção de petróleo nos Estados Unidos aconteceria em 1970, quarenta anos após o pico de descoberta de novos poços. O pico de produção realmente ocorreu por volta da época em que Hubbert havia previsto, fazendo com que sua análise fosse finalmente incorporada à discussão sobre o uso de energia.
Desde então, os Estados Unidos deixaram de ser o maior produtor de petróleo e tornaram-se majoritariamente importadores. Hoje eles exploram petróleo não-convencional, como shale oil (em inglês, xisto betuminoso em português), uma rocha que rica em material orgânico da qual podemos produzir hidrocarbonetos chamados petróleo de xisto. Contudo, a produção de petróleo a partir destas fontes não convencionais é mais cara, pois requer um processo energético intenso para transformar a rocha em petróleo.
Diversos países já entraram nas suas fases de pico de produção e secaram. Geralmente, o pico de produção vem algumas décadas após o pico de descobertas de novos poços. O atual maior produtor, a Arábia Saudita, não reporta novas descobertas significativas há algumas décadas. Seu maior poço de petróleo, Ghawar, responsável por metade da produção de petróleo daquele país há 50 anos, estava em declínio antes de 2009.
Em 2014, a British Petroleum (BP) estimou que, com o nível de consumo anual até então—que só aumentou de lá para cá—, as reservas de petróleo existentes secariam em 53,3 anos. Mais recentemente, a empresa pronunciou-se de forma mais otimista, dizendo que, com novas tecnologias e, se levarmos em conta outras fontes de energia, como a nuclear, eólica e solar, teremos no meio do século XXI energia suficiente para aplacar a demanda mundial em mais de vinte vezes.
As projeções otimistas dizem que o pico de produção de petróleo ocorrerá apenas depois de 2020. As pessimistas dizem que ele já ocorreu na primeira década deste século ou que está ocorrendo ao longo da atual década. De todo o petróleo que o mundo consome hoje, 4/5 vem de poços descobertos antes de 1970. Estamos consumindo três vezes mais petróleo anualmente do que estamos descobrindo, e a diferença continua aumentando.
O fato da Arábia Saudita querer diversificar e investir em exploração de poços de petróleo em alto mar—um processo que requer um uso de energia muito maior, por isso é mais caro do que tirar petróleo da terra—não é encorajador. Os sauditas não atualizam o tamanho das suas reservas desde a década de 1980, mantendo ela em 260 bilhões de barris. Já mencionei que seu maior poço encontra-se em declínio. Ghawar, que dizem conter 75 bilhões de barris, produz cinco milhões de barris todos os dias. O governo daquele país, claro, considera o tamanho real das suas reservas como segredo de Estado.
Além dos combustíveis fósseis, existe uma previsão de pico na extração de minerais raros utilizados na produção de tecnologias avançadas, computadores e outros produtos indispensáveis para a vida no mundo contemporâneo.
Apesar disso tudo, nos últimos dois anos vimos o preço do barril despencar no mercado internacional. Muitos falavam de um "novo paradigma". Besteira. O preço caiu simplesmente porque a produção aumentou, nada mais. Se os produtores e exportadores de petróleo convencional decidem fechar a torneira e produzir menos, a escassez causa uma alta no preço. Se produzem muito e inundam o mercado, o preço abaixa.
O petróleo, mesmo o convencional, existirá por décadas. Entretanto, olhar o preço dele agora e pensar que uma baixa destrói o conceito do pico é absurdo. Os experts no assunto—pessoas como ex-dirigentes da Aramco, a petrolífera estatal saudita—não discordam que chegaremos, em um futuro próximo, no pico da produção. Quando ficar claro que esse evento ocorreu, a tendência, ao longo dos anos, não é um "novo paradigma de petróleo barato", muito pelo contrário. A medida em que o século XXI for avançando, o preço vai subir inexoravelmente.
Fala-se agora em uma estabilização ou pico de demanda por petróleo, gerado em parte pela substituição do uso de petróleo como combustível. Mas um pico de demanda não muda o fato de que continuaremos a usá-lo como combustível e na produção dos mais variados produtos indispensáveis para a vida moderna. Pneus, asfalto, escovas de dentes, incontáveis produtos químicos necessários na produção de comida em larga escala, o teclado do seu computador e até a árvore de natal na sua sala são produtos derivados do petróleo.
ALTERNATIVAS
A razão chamada de Energy Returned on Energy Invested (EROEI, em português Energia Retornada sobre Energia Investida ou Taxa de Retorno Energético) mede a quantidade de energia gasta para se obter energia. Por exemplo: caso a energia gasta para se retirar petróleo do chão ou do fundo do oceano for igual ou maior do que a energia contida naquele poço, não devemos nem tentar.
É necessário que a energia retornada seja maior do que a energia investida para valer a pena, caso contrário, gastaríamos mais energia para conseguir ter acesso àquela fonte do que a fonte nos devolveria. Um combustível ou fonte de energia precisa ter uma taxa de retorno de 3:1 para ser considerada viável.
O conceito pode estar relacionado ao custo e ao preço do barril, mas não é necessário. Em determinados momentos, o preço do barril de petróleo pode estar baixo devido a um aumento na produção, tornando um determinado projeto de perfuração no oceano algo financeiramente inviável, por causa dos custos envolvidos. Se o preço do barril aumenta, porém, a coisa muda de figura e o projeto de perfuração pode ir adiante. O EROEI é importante não tanto pelo valor de mercado de um barril em um determinado momento, mas porque à medida em que os combustíveis fósseis forem se tornando escassos, o custo para se mover a civilização humana tornar-se-á mais caro.
No início, o EROEI dos combustíveis fósseis era altíssimo. Nos Estados Unidos, em 1919, a taxa de retorno energético da procura por petróleo e gás era de 1200:1. Hoje, a taxa de retorno energético na procura é de apenas 5:1. A taxa de retorno da produção de petróleo e gás, que era de 25:1 na década de 1970, chegou à 10:1 em 2007. Para corporações privadas, o EROEI da produção foi de 30:1 em 1995 para 18:1 em 2006. A taxa mediana de retorno energético global, em 2010, era de 20:1.
Primeiro, nós utilizamos as fontes de energia fósseis mais acessíveis e de melhor qualidade. Com o tempo, essas vão ficando cada vez mais escassas e começamos a procurar alternativas. Perfuramos em alto mar, utilizamos óleo não convencional. Quanto mais dispendioso é o processo de achar e perfurar um poço, menor será a taxa de retorno energético porque maior terá sido a energia gasta em primeiro lugar. A taxa de retorno energético de todas as fontes não-convencionais costuma ser bem menor. O shale tem uma taxa de retorno energético mediana de 7:1, por exemplo. Outras fontes não convencionais de hidrocarbonetos tem taxas de retorno ainda menores, 4:1.
E o que isso significa? Que quanto mais escasso o petróleo convencional ficar ao longo do século XXI, mais caro ficará andar de avião, e todo o resto que depende do petróleo. Ou seja, tudo ficará mais caro. Além do óleos não convencionais, o que mais temos na manga?
Obter energia das marés e das ondas é problemático, pois a água salgada é extremamente corrosiva às turbinas geradoras, além de limitar a produção de energia para as costas. Quase toda a energia produzida precisaria ser transportada por longas distâncias, gerando desperdício. A energia produzida por usinas hidroelétricas é confiável, mas boa parte dos rios no mundo já possuem represas. Além do que, o mundo não é movido pela eletricidade gerada por essas usinas, mas sim pelo petróleo. A maioria esmagadora dos meios de transporte, seja de pessoas ou de produtos, é movido por combustível fóssil.
As fontes de energia alternativa mais viáveis são a eólica e a solar. Elas, no entanto, são intermitentes. A eólica depende da intensidade do vento. A solar está à mercê da quantidade de nuvens no céu, além do fato de só poder absorver energia durante o dia. No caso do painel solar, ele tem uma taxa de retorno energético bem menor do que o petróleo, já que a produção de painéis costuma ser um processo altamente dispendioso, energeticamente falando. Para piorar as coisas, muitas vezes utiliza-se carvão como fonte de energia necessária na produção das células fotovoltaicas, já que boa parte deles são produzidos na China e em outros lugares onde a fonte primária de energia elétrica vem de usinas de carvão. O EROEI da energia eólica, no entanto, é surpreendentemente alto, 18:1.
Um esforço homérico precisaria ser realizado para que o mundo passasse a utilizar primariamente fontes renováveis—hidroelétricas, eólica, solar, etc. Não basta simplesmente incentivar o uso de energia renovável.
Por exemplo, estima-se que se uma queda de 5% na demanda por combustíveis fósseis acontecesse devido à políticas de incentivo ao uso de energia renovável, a lei da oferta e demanda tornaria o preço dos combustíveis fósseis de 25% a 30% mais barato, o que os tornaria muito mais atraentes ao consumidor. Quer dizer: uma queda na demanda por petróleo o tornaria mais barato, paradoxalmente fazendo com que a demanda por ele aumentasse em um segundo momento.
O incentivo às fontes renováveis de energia acaba tornando o preço das fontes não-renováveis bons demais para o consumidor. O mesmo acontece quando inventam um motor mais eficiente, que consome muito menos combustível: os consumidores—que podem ser desde pessoas comuns usando gasolina, até indústrias que utilizam carvão—passam a usar mais combustível e demandam ainda mais motores.
Quanto à energia nuclear, seriam necessárias dez mil usinas nucleares para gerar os dez terawatts de energia que os combustíveis fósseis geram hoje. Neste ritmo, toda a reserva mundial de urânio acabaria em, no máximo, vinte anos.
Existem boas fontes renováveis de energia. Contudo, precisamos lembrar que, além de utilizarmos combustíveis fósseis para nos movimentarmos e movimentar a maior parte das nossas máquinas, são deles que vêm quase todos os produtos que utilizamos no nosso dia-a-dia. Outras fontes de energia não têm a mesma capacidade de nos dar tanto.
Um plano de ação precisaria ser feito e implementado, custe o que custar, para que toda essa energia que hoje é gerada na queima de combustíveis não-renováveis fosse substituída por fontes renováveis. Só que isso não ajudaria no que diz respeito aos produtos derivados do petróleo. Incentivar o uso de energias alternativas apenas diminui o preço das fontes convencionais que queimamos, incentivando ainda mais seu uso. Estamos em um beco sem saída, já que se não nos prepararmos, a civilização vai atingir o pico de produção dos combustíveis fósseis e, depois disso, a inevitável queda, com seu aumento no custo da energia, o que tornará a vida um caos para aqueles que estiverem vivos.
"Algo há de surgir, uma nova tecnologia", dirá o otimista.
Tecnologia não é fonte de energia. Podemos criar tecnologias que canalizam fontes de energia de uma maneira mais eficiente, mas por si só uma nova tecnologia não faz milagre. Da mesma forma, quando dizem "passaremos a usar carros elétricos", as pessoas se esquecem que eletricidade não é fonte de energia. As baterias dos carros elétricos foram produzidas utilizando-se processos altamente dispendiosos em termos de uso de energia. Na maioria das vezes, a produção das baterias é baseada no uso primário de algum combustível fóssil, assim como no caso dos painéis solares. Um carro movido à bateria elétrica apenas tira a queima do combustível fóssil da nossa frente, mas para produzi-lo, toneladas de petróleo e carvão foram queimadas.
Quando falarem de uma "nova fonte de energia" ou uma "nova tecnologia", devemos perguntar: ela existe de fato? Qual é sua taxa de retorno energético? Ela pode ser armazenada e distribuída por longas distâncias? O mínimo que se pede é que a nova tecnologia exista de verdade e, no caso de uma nova fonte de energia, que ela tenha uma boa taxa de retorno energético e que possa ser armazenada e transportada. Por enquanto, todas as alternativas aos combustíveis fósseis ainda necessitam da existência e abundância deles.
CRESCIMENTO
O mundo vive em um paradigma de crescimento infinito. Segundo o que (praticamente) todos os economistas dizem, é o que a economia precisa: crescer sempre. Há quem diga que o crescimento econômico não necessariamente está atrelado ao crescimento no uso de recursos finitos do planeta, mas isso é falso, como irei demonstrar mais adiante.
Hoje, além de recursos não-renováveis, como combustíveis fósseis, colocamos em risco até os recursos que deveriam ser renováveis, consumindo-os em um ritmo maior do que eles são capazes de se regenerar. Quer dizer, somos capazes de extinguir até os recursos naturais renováveis, como florestas, água, solo e peixes.
No caso dos peixes, é interessante notar que populações inteiras já foram dizimadas. Assim como no caso do petróleo, primeiro pescamos nos lugares de fácil acesso, próximos às costas. Hoje, pesca-se muito mais em alto mar, pois as costas não têm peixe o suficiente para atender à demanda global. O pico de pesca global foi atingido nos anos de 1980.
A teoria econômica clássica, por mais variados que fossem seus pensadores, levava em conta as limitações dadas pela natureza. Pelo bem do crescimento econômico, alguns viam as limitações naturais de um país como algo a ser superado pelo comércio (David Ricardo). Outros consideravam boa a ideia de uma economia estática, que não cresce (John Stuart Mill).
Uma economia estática seria, para Mill, aquela na qual a acumulação de capital teria inevitavelmente chegado ao seu máximo. Isso ocorreria porque a acumulação traria consigo uma diminuição na margem de lucro, e esta margem de lucro menor acabaria por diminuir as oportunidades de novos investimentos e nova acumulação. Para John Stuart Mill, isso seria bom, porque demonstraria que os homens teriam aprendido a manter sua população e nível de consumo dentro dos limites impostos pela natureza e oportunidades de trabalho.
O paradigma atual, entretanto, considera isso uma maluquice. Uma população estática, ou que encolhe, é vista como problemática. Peguemos o caso do Japão, por exemplo. Muito se fala na "recessão sem fim" que o país viveu, mas dá-se pouca importância para o fato da população japonesa permanecer com um alto PIB per capita.
A visão de que é necessário haver um crescimento infinito é corroborada pelas instituições financeiras e econômicas predominantes no mundo. A moeda não mais representa um valor tangível, como representava quando ainda existia o padrão ouro e prata. O papel moeda fiat é controlado pelos bancos centrais de cada país, e estes delegam poder aos bancos privados de criarem mais moeda através do ato de conceder empréstimos: os bancos privados podem emprestar mais dinheiro ao público do que possuem em caixa, através do crédito, no que é chamado de efeito multiplicador da moeda.
O dinheiro emprestado pelos bancos precisa ser pago de volta com juros. Isto quer dizer que, quando tomamos um dinheiro emprestado a juros, precisamos de alguma forma ganhar mais dinheiro para pagar o principal mais os juros. Uma economia baseada em crédito a juros compostos requer que aqueles que tomam os empréstimos apliquem o dinheiro, criando algo de valor, ou trabalhem mais para pagar. O sistema necessita que haja crescimento econômico, e este é em boa parte atrelado ao uso de fontes de energia.
Vou dar um exemplo.
José pegou um empréstimo no banco para montar sua pequena empresa. Ele a montou e foi um sucesso. Ótimo para ele. Sua empresa tem quatro funcionários, que necessitam de transporte para chegar ao trabalho (uso de combustível fóssil). A empresa em si produz bonecos de plástico (uso de combustível fóssil). Com o sucesso da empresa, José pôde comprar mais um carro (uso de combustível fóssil). Dois de seus funcionários compraram motos, os outros compraram carros (uso de combustível fóssil). Tanto José quanto os seus funcionários, graças à maré de boas notícias, constituíram famílias e colocaram mais gente no mundo, tendo dois filhos cada um (uso de muito combustível fóssil). E assim por diante, em crescimento infinito—pelo menos até a capacidade energética e de recursos máxima do planeta Terra.
E não interessa dizer que a culpa é do sistema capitalista. O socialismo tem o mesmo defeito de possuir um paradigma de superação eterna de escassez. A teoria econômica neoclássica, de onde o neoliberalismo surgiu, jogou fora a preocupação dos clássicos com as limitações físicas da natureza. O marxismo também fez isso, só que por razões diferentes.
Na teoria marxista, a preocupação é com a luta de classes. A teoria diz o seguinte: em cada momento da história, as sociedades humanas passam por diferentes modos de produção. A cada nova superação de um modo de produção por outro modo, a humanidade domina mais a natureza e as forças produtivas são desenvolvidas até o ponto em que as classes entram em conflito. O conflito termina na revolução da classe dominada, que elimina a classe dominante e traz consigo um novo modo de produção. O penúltimo estágio da história, segundo a teoria, seria quando a classe proletária superasse a classe burguesa e instaurasse o sistema socialista, onde os trabalhadores tornar-se-iam os donos dos meios de produção sob a tutela de uma ditadura formada pelo próprio proletariado.
Esse estágio seria seguido da última fase da história, o comunismo, onde a ditadura (o Estado) seria dissolvida(o). A teoria não leva muito em conta as limitações dos recursos naturais, pois parte do princípio que um governo dos trabalhadores seria capaz de dominar completamente esses recursos. Basicamente, para alguns marxistas ortodoxos, o mundo socialista seria tão brilhante que os homens seriam capazes de tirar leite de pedra.
Voltando ao mundo capitalista em que vivemos, o paradigma de crescimento contínuo tem causado impactos gigantescos além do eventual fim dos combustíveis fósseis. O ser humano utiliza hoje 40% de toda a fotossíntese terrestre. A degradação do solo onde plantamos a comida que sustenta os sete bilhões de seres humanos vivos está cada vez maior. Consumimos anualmente o equivalente a uma vez e meia os recursos que o planeta produz—isso levando as emissões de carbono, ou seja, consumimos mais do que a capacidade que o planeta tem de se regenerar, já que destroçamos o meio ambiente, o ar, as águas, etc. Para continuarmos crescendo com o mesmo nível de consumo médio global, necessitaríamos de outro planeta.
Claro, se todos no mundo consumissem o mesmo que um etíope médio, talvez os recursos do planeta não acabariam nunca. Mas não é o que acontece. Atualmente, com a produção de comida que temos, é possível sustentar cerca de dez bilhões de seres humanos. O fato da população estar crescendo, porém em um ritmo cada vez menos acelerado, corrobora que estacionaremos em uma população de dez bilhões. Só que um bilhão de pessoas no mundo hoje são mal nutridas. Será muito improvável conseguirmos manter vivos dez bilhões de consumidores vorazes no futuro, quando a produção de petróleo e gás entrar em permanente declínio.
COLAPSO
Tendo dito tudo isso, o que você acha que vai acontecer quando o petróleo e carvão começarem a se tornar cada vez mais escassos e caros, sem termos nos preparado adequadamente com nenhuma alternativa—sejam elas fontes renováveis de energia ou estabilizando a população mundial pacificamente? O que você pensa que ocorrerá quando acabarem as principais fontes de energia que sustentam dez bilhões de pessoas em um planeta que antes só conseguia sustentar um bilhão?
COLAPSO. E não será bonito. Dependendo do quão mal preparados estivermos—e continuamos muito mal preparados, mesmo com todas as políticas de incentivos que estão e continuarão sendo adotadas por diversos países do mundo—iremos nos aniquilar em guerras por recursos.
Dependendo do preparo, pode ser que sobrevivamos mal. Algumas milhões de pessoas a mais morrendo de fome. Boa parte da África, que hoje é subnutrida mas ainda consegue sobreviver perpetuando uma população faminta geração após geração, simplesmente deixará de existir de vez.
Um cenário otimista é acreditar em uma fonte de energia e/ou tecnologia milagrosa, que chegará no último instante para nos salvar. Há quem acredite que combustíveis fósseis não são realmente fósseis, nem são não-renováveis—geralmente grupos de teóricos da conspiração, inspirados em gurus charlatões.
É uma questão muito simples de se entender. Dependemos quase que totalmente de combustíveis fósseis, principalmente petróleo, e eles não são renováveis. Toda a indústria, quase que toda a agricultura e transporte são movidos à petróleo. Gastamos dez quilocalorias de combustível fóssil para cada quilocaloria de comida que produzimos, algo impossível de ser feito em eras anteriores. Esse déficit de energia investida para se obter alimento só é possível com a abundância de energia que temos atualmente.
O colapso, no entanto, não será um evento rápido. Um longo declínio, onde tudo ficará mais caro, é o que provavelmente vai acontecer. Já que não apenas a energia que utilizamos para mover o mundo, mas também os produtos que consumimos (desde plásticos até produtos petroquímicos diversos) vêm do petróleo, sua futura escassez causará um aumento cada vez maior do preço de praticamente tudo que usamos no dia-a-dia.
No final, quem estiver vivo não terá para onde correr. Quando ficará claro que o declínio começou? Não se sabe. Mas não interessa se está a vinte, quarenta ou sessenta anos no futuro. Quanto mais adiamos encontrar uma solução, mais o colapso se torna inevitável. O mundo, sem uma fonte de energia tão barata e abundante quanto o petróleo, jamais conseguirá manter dez bilhões de pessoas vivas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Falei apenas dos problemas relacionados à futura escassez de um recurso não renovável. Foquei muito pouco na questão da poluição e destruição de recursos renováveis, e em nenhum momento entrei no tema da mudança climática gerada pela queima dos combustíveis fósseis na indústria, agricultura, transporte, etc.
Se levarmos em consideração o aquecimento global, existe a chance de que ocorra um colapso diferente (a destruição total do ecossistema, mudanças de temperaturas afetando a produção agrícola mundial, aumento da temperatura dos oceanos destruindo a fauna marinha, etc), antes mesmo de chegarmos no declínio da era do petróleo, gás e carvão.
Referências:
5. Human Energy