Não é bonita: somos o quinto país mais deprimido do planeta
Viver e não ter a vergonha de ser feliz,
Cantar,
A beleza de ser um eterno aprendiz
Eu sei
Que a vida devia ser bem melhor e será,
Mas isso não impede que eu repita:
É bonita, é bonita e é bonita!
—Gonzaguinha, O que é, o que é?
De acordo com a minha concepção de mundo, até mesmo aqueles abençoados que nasceram em um país como a Noruega estariam "melhores" se nunca tivessem deixado o virtuoso e calmo sono do nada. Entendo que a inexistência não é um estado do qual podemos extrair comparações, mas podemos inferir algumas conclusões baseadas na nossa realidade, na história, na observação da ciência — não na tietagem científica, como fazem fãs de Sagan, os Kurzweil e outros. Este, no entanto, não é um texto para falar sobre o assunto. Aqui vou falar apenas sobre uma coisa, o viés otimista imbecil incutido em todos nós brasileiros.
Como já falei no penúltimo texto, estudos mostram que cerca de 80% das pessoas possuem um viés otimista.1, 2 Isso não é bom, pois indica que a grande maioria acredita que suas vidas, em diversos aspectos, serão abençoadas com resultados acima da média, o que é uma impossibilidade matemática. A maioria acha que não terá câncer, que dirige melhor do que a média, não enfrentará divórcios terríveis, e por aí vai.
O brasileiro volta e meia aparece nas listas de povos mais otimistas,3, 4 muito embora tenhamos o maior número absoluto de assassinatos do mundo.5 Somos um país extremamente violento. Alguns de nossos vizinhos ao sul, como Argentina e Uruguai, não chegam nem perto de nós, e mesmo eles já são considerados violentos comparados com a Europa, por exemplo. Estamos entre a 15ª e a 10ª colocação quando falamos da taxa homicídios — temos entre 25 e 32 assassinatos a cada 100 mil habitantes.6, 7
Gosto de bater na tecla da violência, porque só ela já seria o suficiente para justificar o ataque que faço ao otimismo exacerbado idiota que todos nós brasileiros somos obrigados a engolir desde cedo em nossas vidas.
O mundo inteiro é otimista? Sim. Mas boa parte do mundo, como os 740 milhões de habitantes da Europa e os 350 milhões de habitantes da América do Norte (Canadá e EUA), não vivem em estado de calamidade pública constante. Esses lugares possuem problemas? Sim, vários. Falei de alguns nos meus textos Sobre Ideologias e Economia Política parte I e II. Mas nós temos todos os mesmos problemas econômicos, piores até, e somado a eles ainda temos que enfrentar à maldita violência extrema.
O fato é que a vida aqui não vale nada. Nossa sociedade é configurada de um modo em que a desigualdade sócio-econômica extrema impera. O pobre tem que literalmente viver de escravidão salarial. Esses mesmos pobres são os que mais sofrem com a violência da qual vivo falando sobre. Isso aqui é uma piada de mal gosto.
Para piorar ainda mais, a Organização Mundial da Saúde acabou de divulgar um relatório global sobre transtornos mentais, mostrando que o Brasil é o quinto país mais deprimido do mundo — e o mais deprimido da América Latina. Apenas Estados Unidos, Austrália, Estônia e Ucrânia têm um número maior de pessoas deprimidas do que o Brasil, segundo o relatório.8, 9 O relatório também aponta que o Brasil é número um em transtornos de ansiedade, coisas como síndrome do pânico e estresse pós-traumático.
Porra, quando é que vamos abrir os olhos? Esse otimismo todo, essa falsa esperança e a ideia de que "basta sacudir a poeira e dar a volta por cima" não está dando certo. Nunca deu. Parem de perambular cegamente, cantando e achando que tudo vai dar certo enquanto o mundo queima ao nosso redor! Aqui vai uma hipótese: a disparidade entre as nossas expectativas otimistas e a realidade brutal é uma das causas desses transtornos mentais que nos afetam.
"Mas como você pode advogar pelo pessimismo? O que isso irá resolver?" Ser pessimista não significa desistir da vida, muito embora para mim signifique abdicar da criação de novas vidas. Para ilustrar o fato de que ter uma visão considerada "pessimista" não é prelúdio para a desistência da vida, posso pegar o exemplo de Sêneca, filósofo estoico romano do século I. O estoicismo não é uma filosofia antinatalista, nem muito menos uma filosofia de desistência ou suicida.
Dentre as várias coisas que ele escreveu, há uma carta de consolação à uma mãe que havia perdido o filho. Na carta, ele diz que a morte de um filho não deveria ser surpresa alguma para os pais, já que todos nós nascemos em um mundo onde tudo está destinado a morrer. Diz, também, que muitas mães perdem seus filhos, que isso está longe de ser uma anomalia — são as nossas expectativas de que isso seja uma anomalia que acabam produzindo uma dose muito maior de sofrimento.
Acho que está na hora de abaixarmos as nossas expectativas, porque senão corremos o risco de irmos pular o carnaval, tomar um tiro durante um assalto e, caso sobrevivamos, ficarmos nos perguntando "mas como isso pode acontecer?", quando deveria ser a coisa mais óbvia do universo: vivemos no Brasil e aqui a vida não é bonita.
Referências:
1. http://grist.org/article/80-percent-of-humans-are-delusionally-optimistic-says-science/
2. https://www.ted.com/talks/tali_sharot_the_optimism_bias/transcript?language=en
3. http://www.brasil.gov.br/centro-aberto-de-midia/news/brazilians-are-the-most-optimistic-people-in-the-world-according-to-survey
4. http://fotos.estadao.com.br/galerias/cidades,veja-lista-dos-paises-mais-otimistas-com-2017,29657
5. https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_countries_by_intentional_homicide_rate
6. http://www.mcclatchydc.com/news/nation-world/world/article24777451.html
7. http://data.worldbank.org/indicator/VC.IHR.PSRC.P5?year_high_desc=true
8. http://oglobo.globo.com/sociedade/saude/brasil-o-pais-mais-deprimido-da-america-latina-aponta-oms-20969009
9. http://g1.globo.com/bemestar/noticia/depressao-cresce-no-mundo-segundo-oms-brasil-tem-maior-prevalencia-da-america-latina.ghtml