Niilista, eu?
Por causa do meu último texto, Precisamos falar sobre o antinatalismo, e outras postagens mais antigas, como A Los Muchachos de Colombia, fui chamado de niilista. Além disso, a própria reformulação do site para algo que afirma o pessimismo filosófico já foi o suficiente para algumas pessoas sentirem uma vibe meio estranha.
Não sou niilista. Pelo menos não no sentido que a maioria das pessoas aplica o termo, que parece significar algo como: não enxergar sentido em nada, logo nada tem valor, logo posso fazer tudo o que me der na telha sem me preocupar com as consequências. Se por niilismo fala-se de uma falta de um sentido intrínseco para a nossa existência, talvez sim. Mas mesmo nesse ponto não sei se posso dizer que sou niilista, pois sei que há um sentido orgânico básico para a nossa existência: consumo e reprodução.
É um sentido material e, para a maioria das pessoas, vazio. Mas, se formos falar de um sentido transcendental maior, não penso que haja um. Somos obrigados a inventar o nosso próprio—mas você pode ler mais sobre isso no meu último texto.
Acontece que não enxergar um propósito maior para as nossas vidas—um propósito não necessariamente religioso, mas material, como um "futuro melhor" onde "conquistamos as estrelas", etc—já é o suficiente para as pessoas desconfiarem que você é niilista. E quando você ainda vira e diz "penso que seria melhor se todos nós parássemos de nos reproduzir", ferrou, porque você está negando o (suposto) presente de deus/natureza/cosmos/etc, que é estar aqui.
Basicamente, estão dizendo isto: como ousa questionar o jogo? Se há sofrimento, cale-se, aceite, e use seu sofrimento para crescer. Se reclamar ou questionar o jogo, você é um inútil. Já escutei coisas muito próximas disso de indivíduos que não conseguem passar um dia de suas vidas sem se agarrar à uma âncora—para usar a terminologia de Zapffe—, geralmente ideológica, para dar sentido às suas vidas.
Não tem problema. É verdade que o mundo capitalista nojento em que vivemos precisa mudar. Mas acho errado envolver pessoas que não existem, nem estão pedindo para vir a este mundo, no processo de mudança. Aliás, mesmo se o mundo não tivesse as injustiças que tem, ainda pensaria dessa forma por tudo o que mencionei no texto Precisamos falar sobre o antinatalismo.
Não vou justificar o antinatalismo agora. Se quiser ler justificativas, elas estão no texto anterior. O que vou fazer aqui é dizer o que considero ser uma atitude niilista. Para mim, ser niilista é viver a vida normalmente enquanto ainda existe um arsenal nuclear capaz de destruir toda a civilização1—inclusive nós brasileiros, que nem sequer participaríamos ou seríamos alvo de uma guerra nuclear—nas mãos de líderes mundiais tresloucados, xenófobos, homofóbicos, fanáticos religiosos e racistas.
Para mim, ser niilista é achar normal a situação carcerária no Brasil. Não é necessário apelar aos direitos humanos para saber que o sistema prisional brasileiro deve ser melhorado. Olhando sob um ponto de vista frio e utilitário, nossas prisões têm uma taxa de recuperação patética.2 Assim como qualquer outra pessoa, eu detesto ser assaltado. Mas o que me deixa mais revoltado é saber que o cara que me assaltou, depois de sair da prisão, estará pior do que quando entrou.
Mas, por acaso nosso país recuperará os presos? Não. Nós preferimos fazer com que eles sofram o pão que o diabo amassou dentro dos presídios, o que é pura vingança. Só que essa vingança vem com o preço da perpetuação eterna dos altos índices de reincidência, que só contribuem para o Brasil ser um dos países mais violentos do mundo. E sou obrigado a escutar opiniões fascistoides como "que matem todos!" e ouvir, dessas mesmas pessoas, que EU sou niilista por achar errado termos filhos. Niilismo, no sentido de não ligar para nada, é a forma de pensar deles, não a minha.
Se vivesse na Noruega, que é uma sociedade paradisíaca se comparada com quase todos os outros países do mundo,3 continuaria sabendo das questões de significado e sofrimentos que um filho meu teria. Um norueguês não escapa da depressão. E mesmo a Noruega não escaparia dos efeitos de uma guerra nuclear. Vivendo no Brasil, a coisa piora. Aqui as pessoas deveriam ponderar muito mais sobre se é certo ou não ter um filho. Mas ninguém quer ponderar sobre nada. Isso é niilismo.
De acordo com a minha concepção da vida, decidi não trazer crianças ao mundo. Uma moeda é examinada, e só depois de cuidadosa deliberação é dada a um mendigo, enquanto que uma criança é jogada na brutalidade cósmica sem hesitação.
—Peter Wessel Zapffe
Referências:
1. http://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2016/07/12/lupaaqui-a-reincidencia-atinge-mais-de-70-dos-presos-no-brasil/
2. http://www.nucleardarkness.org/warconsequences/hundredfiftytonessmoke/
3. http://www.oecdbetterlifeindex.org/countries/norway/