Minha controversa relação com o divino
A respeito da existência ou não de um deus, ou de vários, o máximo que um homem pode ser realisticamente é agnóstico. Gnosis é a palavra grega para conhecimento; agnosticismo significa, portanto, falta de conhecimento. Acreditar ou não em uma (ou várias) divindade(s) é uma questão de fé. O verbo "acreditar" e o substantivo "crença" não significam o mesmo que "conhecimento", por mais que a fé do indivíduo seja pautada em uma grande convicção ou certeza pessoal—a pessoa não sabe, ela crê; pode ser uma crença poderosíssima, mas ainda haverá diferença entre sua crença e a gnose.
Os dias mais antigos, pintura de William Blake |
Sendo assim, tanto os que creem quanto os que não creem em deuses acabam sendo agnósticos. Os próprios gnósticos dos séculos I, II e III, grupos heréticos com os quais me identifico graças ao meu pessimismo, ainda necessitavam da fé para dar início à sua jornada de sabedoria. Apesar da necessidade da fé, sua crença inicial era pautada em uma conclusão perfeitamente lógica: um Deus benevolente e onipotente jamais criaria uma realidade tão perversa e imperfeita como a nossa existência—logo, este universo da matéria só poderia ser obra do Demiurgo, um artífice ignorante ou malevolente (as versões, no entanto, variavam de seita para seita).
Porém, o Demiurgo não seria a fonte suprema de tudo para o gnosticismo dos primeiros séculos de nossa era. O ser supremo dos gnósticos—o Deus acima de deus—é distante, incognoscível e puro, pois está longe dos defeitos do mundo físico. É dele que emana tudo, mas, por ser um divino impessoal, suas emanações mais baixas—o Demiurgo e seus arcontes—acabaram por forjar o universo da matéria ao qual nós estamos presos. Caberia ao homem elevar-se, através de rituais, à uma realidade não-material e assim conseguir chegar mais próximo à fonte, ao supremo.
Normalmente, declaro-me "ateu", mas o que penso é um pouco mais complexo do que isso. Dentro de uma visão puramente naturalista, para mim, o ser supremo seria o universo, suas leis físicas e mecanicistas. Contudo, estas não são coisas que venero. Se fosse declarar uma crença metafísica, ela seria como a dos gnósticos, já que eles não veneravam a matéria, a natureza ou suas leis físicas. E que fique claro que, apesar de declarar-me descrente quando sou questionado a respeito, certamente não sou um descrente aos moldes de Richard Dawkins e o movimento chamado novo ateísmo, surgido por volta da década de 2000. A estes dou o nome de "ateus religiosos".
Pode-se dizer que boa parte dos ateus contemporâneos acreditam que o homem é a medida de todas as coisas e que é possível haver um eterno progresso tecnocientífico e humano. Estas duas crenças os tornam tão religiosos quanto os mais fanáticos e cegos fundamentalistas. Uma das críticas mais comuns ao ateísmo moderno e contemporâneo sempre foi a seguinte: "o ser humano precisa acreditar em algo maior que si próprio". Discordo dela, pois vejo ateus religiosos acreditando em algo maior do que eles mesmos: acreditam na vontade de poder da humanidade. Ao meu ver, tanto o fundamentalista fanático quanto o humanista apaixonado estão errados. Ambos são extremamente otimistas.
Não me considero a medida de todas as coisas, nem parte de uma cadeia de melhorias eternas—pelo contrário, reconheço a esmagadora insignificância da minha vida perante o universo. Não deixei de acreditar no deus judaico-cristão anos atrás para acreditar na potência magnânima do homem. Penso que o homem é um nada, insignificante, medroso, cheio de si, e não percebe a situação lastimável em que se encontra — e da qual nunca sairá. Ele luta em vão para obter o controle de um universo que é malignamente indiferente à sua presença, criando ilusões ridículas para se sustentar. A mais nova ilusão humana (e potencialmente a mais terrível de todas) é a do progresso infinito, que um dia irá fazer de nós verdadeiros deuses através da tecnociência.
O sentimento de importância e confiança exacerbada que os ateus—e aqui já me excluo do grupo—têm pelos homens e pela matéria é digno de pena. Contudo, a positividade da descrença se restringe aos ateus religiosos, crentes no eterno progresso e na vontade de poder humana. Além desse tipo, há também os descrentes místicos, pessoas como Cioran e, de certa forma, Schopenhauer. São descrentes que, longe de se sentirem bem ao perderem a fé—ou ao descobrirem que nunca a tiveram de verdade—, sentem-se perdidos. Eles não enxergam a possível inexistência de algo a mais como um fato libertador, como fazem os ateus religiosos, mas como uma possibilidade terrível. Para o descrente místico, estar sozinho neste caos é muito ruim. É como se estivéssemos no Inferno sem ninguém para nos resgatar.
É aí que alegorias tornam-se importantes. Não tenho acesso à fontes de conhecimento que provem a veracidade de um Deus incognoscível, que está distante de nós e acima do Demiurgo que teria construído o mundo a partir da matéria. Mas creio que essa seja a melhor equivalência que posso fazer a partir do meu diagnóstico filosófico de que a realidade e a existência são terríveis. É certamente muito melhor do que a noção de que somos capazes de construir um futuro paradisíaco na Terra e no espaço através da razão.
Portanto, quando declaro-me "ateu", refiro-me às concepções comuns de deus, das quais não compartilho: um deus pessoal, que interfere de forma sobrenatural no mundo a favor de uns e outros, que nos julga a partir de códigos morais da Era do Bronze. Ao dizer que sou um descrente, não estou me referindo à impossibilidade de uma fonte suprema. Aliás, é o oposto: a possibilidade de escape deste inferno é, para mim, extremamente tentadora. Tão tentadora que não posso fazer nada além consagrar o meu ser ao incognoscível libertador da matéria, aquele Deus acima de deus, que teve pena do exílio dos homens no mundo e abriu diferentes caminhos para eles atingirem a gnose—esta é a minha metafísica.
Gravura de Camille Flammarion |