“E o PT hein? E o Lula?" ou: o envolvimento de Bolsonaro no assassinato de Marielle Franco

30.10.19

“E o PT hein? E o Lula?" ou: o envolvimento de Bolsonaro no assassinato de Marielle Franco

Resumo: Há anos os críticos do PT juram de pés juntos que Lula é o mandante do assassinato de Celso Daniel. Dizem isso sem provas e sem demonstrar ligação do ex-presidente com o crime. Agora, imagine que um dos assassinos fosse vizinho de condomínio de Lula. Imagine que a filha dele fosse ex-namorada de um dos filhos de Lula. Pois bem, é exatamente isso que acontece com Bolsonaro no caso de Marielle Franco, com o agravante de que, agora, sabemos que os assassinos interfonaram para a casa do Jair na noite do crime e alguém atendeu e autorizou a entrada no condomínio.

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O título deste texto faz alusão ao coice dado por todos os apoiadores do presidente Jair Bolsonaro quando confrontados com qualquer informação negativa a respeito de seu führer. A reação instintiva dos apoiadores do atual presidente chegou a virar meme. Quando o governo Bolsonaro diz "a", seus apoiadores nem sequer esperam mais a enxurrada de críticas; eles já começam a lembrar de como o PT e o Lula (supostamente) arruinaram o país.

(Nos próximos 5 parágrafos tratarei um pouco da crença de que o PT "arruinou" a economia do Brasil; caso prefira ler apenas a parte em que trato especificamente de Lula, Bolsonaro e da morte de Marielle, pode pular essa parte e ir direto para o trecho que se inicia com "Cabe aqui...")

Tirando o segundo turno das eleições de 2002, quando votei em Lula, deixei de votar nos candidatos do PT para presidência. Em grande parte, isso se deu por conta da minha longa e infeliz estadia no campo dos defensores do capitalismo liberal―um movimento estéril que suga energia e inteligência de todos aqueles que aderem a ele. Mas, mesmo olhando com os olhos de hoje, não colocaria a mão no fogo por Lula e pela cúpula de seu partido. Entretanto, apesar de não enxergar nele a pessoa mais honesta do planeta, dizer que ele e seu partido "arruinaram" o país é exagero. Ao criticarem raivosamente, os anti-petistas acabam fundindo duas coisas diferentes em uma só: corrupção e recessão econômica.

Os principais erros do PT estão relacionados à falta de combate eficaz à desindustrialização do país, fenômeno que vem ocorrendo de maneira progressiva desde a década de 1980, se não antes. Aliás, nenhum governo pós-redemocratização fez algo para mudar isso. Os defensores apaixonados do partido fingem que foi uma época gloriosa de combate aos privilégios e ao sistema, mas isso não é verdade. Pegue o orçamento da União e verá que a dívida pública continuou aumentando gradativamente ao longo dos anos, mesmo durante os governos petistas, enquanto que quase nada foi feito para reverter a tendência da economia brasileira de ser uma mera exportadora de matéria prima e commodities. Mas houve acertos: os programas sociais―que, aliás, deveriam ter sido muito mais expansivos do que foram. Ao contrário do que pensa a grande maioria dos eleitores conservadores do atual presidente, programas como o Bolsa Família não pesavam no orçamento. Havia espaço para muito mais. De qualquer forma, os programas sociais são um grande mérito das gestões petistas.

Mas não estou aqui para puxar saco de governos passados, nem argumentar os pormenores de como o Partido dos Trabalhadores não "destruiu" o país. É muito fácil descobrir isso. Procurando online, em jornais e revistas decentes, qualquer um pode encontrar dados que mostram que, mesmo com a corrupção correndo solta―corrupção que havia começado antes do PT chegar ao poder e que não é "culpa do Estado grande" mas de empresas privadas―os desvios, ainda que bilionários, não seriam capazes de afundar a economia de um país cujo PIB era de 2,473 trilhões de dólares em 2013, segundo dados do Banco Mundial. Vou ter que apelar para um exemplo bobo. Para se ter uma ideia da dimensão de grandeza numérica, compare 1 milhão de segundos a 1 bilhão de segundos e, por fim, a 1 trilhão de segundos. 1 milhão de segundos equivale à 11,5 dias, enquanto que 1 bilhão de segundos equivale a mais de 31,5 anos. Já 1 trilhão de segundos são 31.709,8 anos.

A economia brasileira teve problemas―e continuará tendo―enquanto tivermos uma gigantesca massa de mão-de-obra precarizada e dependermos da exportação de commodities para conseguirmos os dólares que compram produtos de alto valor agregado e insumos de fora do país. Diferentemente de países ricos que se industrializaram no passado―e continuam industrializados―mas que hoje têm no setor de serviços a maior fatia de sua geração de renda interna, o Brasil nunca completou um ciclo de industrialização avançado. Antes que isso pudesse acontecer, os incentivos econômicos migraram para atividades de reprodução de capital que não estão atreladas à produção, graças a falta de ação política, que poderia ter impedido ou amenizado esse impacto.

O que isso tudo quer dizer? Que temos a maior parte da nossa população mal-escolarizada, trabalhando num setor de serviços subdesenvolvido, sem poder de compra porque nossa economia não produz bens de alto valor agregado (pense smartphones, carros com alta tecnologia, computadores avançados) e porque, diferentemente dos americanos, não vivemos em país que possui a principal moeda de reserva internacional. Somado a isso, há décadas existe um enorme desincentivo à produção de bens com alto valor agregado―bens industriais―no Brasil, enquanto que há um enorme incentivo em alocar capital em papéis que não refletem uma produção real, como títulos da dívida pública―dívida essa que abocanha (de longe) a maior parte do orçamento da União, o dobro da previdência, que agora foi jogada no lixo por conta da mentira de que é o maior problema do orçamento brasileiro.

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Cabe aqui comparar Lula com Bolsonaro.

Não tem comparação. Apesar de não ter sido a 8ª maravilha do mundo, Lula foi infinitamente melhor. Poderia encerrar este texto aqui. Mas estou apenas começando. Ontem, o Jornal Nacional divulgou o andar das investigações sobre o assassinado da vereadora carioca, Marielle Franco, e de seu motorista, Anderson Gomes. Na noite do crime, um dos acusados do assassinato da vereadora, Élcio Queiroz, foi até o condomínio do então deputado e candidato à presidência, Jair Bolsonaro. Ele pediu para o porteiro interfonar para a casa de Bolsonaro. Alguém na casa de Bolsonaro atendeu o interfone―o próprio Jair ou alguém de confiança, talvez um de seus filhos―e autorizou a entrada de Queiroz.

O porteiro, ao ver no circuito de câmeras do condomínio que o carro onde estava Queiroz não foi até a casa do deputado, interfonou novamente para questionar se estava tudo certo. Alguém―de novo, o próprio Jair ou alguém de confiança dentro de sua casa―disse que não havia problema, que o motorista do carro iria mesmo para a casa de Ronnie Lessa, o acusado de ter dado os disparos contra o carro de Marielle. Queiroz então entrou na casa de Lessa. Impressiona que Lessa, um ex-policial militar, também tem imóvel ali―imóvel cujo valor é incompatível com a renda de um ex-policial militar, diga-se de passagem, e onde a polícia civil encontrou centenas de fuzis após prender os dois.

Há mais de uma década e meia, grande parte dos críticos de Lula e do PT acusam Lula de ser o mandante do assassinato do prefeito petista de Santo André, Celso Daniel. O prefeito teria sido morto a mando de Lula depois de querer denunciar um esquema de corrupção dentro do Partido dos Trabalhadores. Não existe uma única prova disso. Mas essa narrativa tornou-se um artigo de fé dos críticos do petismo. Outras coisas absurdas, como a ideia de Lula ter centenas de milhões de dólares escondidos ou aplicados em terras, também circulam como fato entre os anti-petistas. Tornou-se aquela velha história do "todo mundo sabe". Pois bem, se "todo mundo sabe", como é que Deltan Dalagnol e a Lava Jato tiveram que se desdobrar para conseguir ligar Lula a um triplex no Guarujá para prendê-lo? Seria Lula um gênio? Mas as mesmas pessoas que o acusam de ser um criminoso genial, capaz de esconder centenas de milhões de dólares em aplicações e terras, consideram Lula um analfabeto burro que mal sabe falar.

Nunca existiu uma prova sequer de que Lula esteve envolvido na morte do prefeito Celso Daniel. Isso não significa que tal hipótese seja impossível―ela apenas é, até o momento, improvável. Mesmo assim, muitos críticos de Lula o acusam de ser o mandante do assassinato. Agora, imagine que um dos assassinos de Celso Daniel―Marcos Roberto Bispo dos Santos, José Édson da Silva ou Sérgio Gomes da Silva―morasse no mesmo condomínio de luxo que Lula morava e fosse frequentador de sua casa. Imagine que a filha de um dos assassinos de Celso Daniel fosse ex-namorada de um dos filhos de Lula. Pois bem, é exatamente isso que acontece com Bolsonaro: Lessa mora no mesmo condomínio de Jair Bolsonaro, na Barra da Tijuca, e sua filha namorou um dos filhos do presidente. Agora, a investigação mostra que, na noite do crime, um carro dirigido por Élcio Queiroz―motorista do carro durante o assassinato de Marielle Franco―pediu para o porteiro do condomínio que interfonasse para a casa de Bolsonaro. Jair afirma que estava em Brasília, mas isso não elimina a possibilidade de que alguém de sua confiança estava em sua casa, no Rio, e tenha liberado a entrada para Queiroz.