Eleições imperiais 2020

Dentro de pouco tempo, saberemos (provavelmente) se os Estados Unidos reelegerão Donald Trump, atual presidente, ou elegerão Joe Biden, ex-vice-presidente e ex-senador pelo estado de Delaware. A repercussão de qualquer eleição americana no resto do mundo é sempre muito grande e desta vez não será diferente. As eleições este ano serão importantes, especialmente no que diz respeito a questões climáticas, já que, com Trump no poder, o que há de mais irracional e imbecil na elite econômica americana permitiu o rompimento de diversos acordos internacionais que tratam do problema das emissões de gases causadores do efeito estufa.


Disse que “provavelmente saberemos” pois, dada a forma como são realizadas as eleições nos Estados Unidos, sempre é possível sermos surpreendidos. Estava lá em 2000, cursando o último ano do high school, equivalente ao último ano do ensino médio aqui, quando houve todo o imbróglio das eleições entre Al Gore e George W. Bush. O final, todos sabemos: Bush venceu a soma dos colégios eleitorais de cada estado, mas perdeu por alguns milhares de votos no voto popular. Foi a eleição na qual mais se demorou para sair um resultado oficial naquele país, até a Suprema Corte teve que entrar na jogada.

Em 2016, Trump perdeu para Hillary por quase 3 milhões de votos na contagem de voto popular, mas ganhou a combinação dos estados, o que lhe deu maioria no colégio eleitoral. Contudo, diferentemente das eleições de 2000, a questão ficou clara já na noite da eleição.
Além de ter vivido naquele país na virada do milênio, também estava morando lá quando Obama foi eleito, em 2008. Retornei ao Brasil só alguns anos depois, então pude acompanhar algumas coisas. Algumas delas foram os problemas legais e financeiros de um bufão chamado Donald Trump, que na época era o exemplo máximo de uma elite nova-iorquina tosca. Trump era visto como um magnata amoral, que vivia mais de showbiz e de imagem do que da genialidade nos negócios. Não à toa ele era famoso pelo o programa The Apprentice e seu bordão: “you're fired”.

Aquilo era risível. Todos os americanos que liam ou assistiam jornais sabiam que ele era um embusteiro, envolvido na época em processos por defraudar os alunos da sua malfadada Trump University. Porém, ainda no primeiro governo Obama, Trump, que antes era visto como grande simpatizante do partido Democrata, passou a acusar o então presidente de ter nascido no Quênia. Para Trump, ambos os pais de Obama não eram americanos, o que faria dele inelegível segundo a Constituição dos Estados Unidos.

Trump era apenas o mais famoso e vocal membro do chamado birther movement, que acusava Barack Obama de ser um “comunista islâmico” infiltrado nos Estados Unidos para minar as bases e valores da república, além de ser agente da Nova Ordem Mundial, que tem como objetivo destruir a civilização judaico-cristã ocidental. Parece piada, sim, mas hoje isso se tornou dogma entre a maioria dos direitistas, sejam eles americanos, europeus e, pasmem, brasileiros. Temos evangélicos conservadores em Belford Roxo, pessoas que seriam escorraçadas de qualquer reunião de cidadãos conservadores nos Estados Unidos só pela cor de sua pele, acreditando nesse tipo de coisa — e em coisas ainda piores.

No primeiro mandato de Obama, durante o jantar dos correspondentes, ocasião na qual é tradição o presidente americano fazer piadas preparadas para os convidados, em que o então presidente humilhou Trump, que estava na plateia, contando piadas sobre o movimento birther. Alguns anos depois, Trump conseguiu sua vingança elegendo-se presidente dos Estados Unidos. Foi uma aposta altamente improvável que deu certo. Ele jogou no sentimento de loucura e no crescente conspiracionismo inerente ao americano branco médio, e venceu.

Agora, quatro anos depois, os Estados Unidos e o mundo se encontram diante de uma nova eleição para a presidência. A última vez que um presidente em exercício não conseguiu se reeleger lá foi quando George Bush perdeu para Bill Clinton em 1992. Boa parte do mundo, a parte sã, quer que Trump seja derrotado. Infelizmente, contudo, há autoproclamados progressistas que acreditam que não só tanto faz, como talvez seja melhor que Trump vença. Além de boa parte da direita americana, hoje doutrinada pela imbecilidade conspiratória do QAnon e outras burrices, temos na torcida de Trump alguns esquerdistas.

Há uma ânsia de certos setores do pensamento progressista atual — inclusive de muitos progressistas de fora dos Estados Unidos, em lugares como o Brasil — em querer provar que sabem que Biden e os Democratas são parte do establishment, que não são progressistas reais, que são peça fundamental do sistema capitalista. Para esses setores, seria melhor nós apostarmos no pior, pois isso aceleraria a derrocada do capitalismo e a (suposta) inevitável revolução proletária, ou o que quer que seja. Como não sou materialista histórico, discordo.

Para mim, aqueles que se declaram progressistas, principalmente no Brasil, não precisam perder tempo provando que sabem que Biden e Democratas são de direita. Há dez anos atrás, quando muitos ainda se deslumbravam com o Obama chamando Lula de “o cara”, eu já dizia que o sujeito ganhou Nobel da Paz e logo depois bombardeou civis com drones. Hoje, muitos progressistas brasileiros fingem que não ficaram deslumbrados na época, mas, na maioria dos casos, isso é mentira: ficaram sim deslumbrados. Até hoje deixam isso escapar de vez em quando.

Sim, Biden e os democratas são de direita. Sim, eles são corruptos e representam o establishment. Mas isso não muda a preferência que qualquer pessoa sã deveria ter pela derrota de Trump. Isso não muda, também, a minha preferência pela sua derrota. Ele precisa perder. Isso aliviaria um pouco a ascensão do burrismo no mundo. Uma figura de Trump no poder, queiramos ou não, emana credibilidade para os líderes mais toscos do planeta, inclusive no Brasil. Não sou partidário do quanto pior, melhor. Não acho que ficaremos mais próximos da derrocada do sistema se tudo piorar. Só ficará pior mesmo, nada mais.


Por Fernando Olszewski