A vastidão

Foto do planeta Urano.

A sonda espacial Voyager 1 foi lançada em setembro de 1977. Em fevereiro de 1990, a Voyager 1, após terminar a sua missão primária de estudar Júpiter e Saturno, começou a jornada rumo ao espaço interestelar. Foi aí que os controladores da missão decidiram voltar a câmera da sonda para dentro do sistema solar e tirar fotos de diversos planetas. A foto da Terra, tirada a 6 bilhões de quilômetros, ficou conhecida como “Pálido Ponto Azul”, e serviu de inspiração para o livro homônimo do astrônomo Carl Sagan. Sagan, aliás, foi um dos cientistas que sugeriram que a Voyager 1 tirasse a foto dos planetas de tão longe.

Naquela distância, um sinal contendo os comandos enviados para a sonda demoravam mais de 5 horas para chegar até a Voyager 1, e mais 5 horas para os controladores da missão receberem um retorno. Isso porque o sinal viaja na velocidade da luz. Hoje, em 2024, depois de 47 anos de viagem rumo ao espaço interestelar, a Voyager 1 se encontra a cerca de 24,7 bilhões de quilômetros da Terra. Isso dá cerca de 0,0026 ano-luz. Surpreendentemente, os controladores ainda mantêm contato com a sonda. Para se comunicar com ela a essa distância, demoram 22 horas e 50 minutos para o sinal chegar até a sonda e mais 22 horas e 50 minutos para ela dar um retorno.

A Voyager 1 é o objeto feito pelo homem mais distante da Terra e em 47 anos de viagem não está nem perto de 1 ano-luz de nós. Sua velocidade é de pouco mais de 60 mil quilômetros por hora.

A luz de Proxima Centauri, a estrela mais próxima do nosso sistema solar, demora 4,2 anos para nos alcançar. A velocidade da luz no vácuo é de pouco menos de 300 mil quilômetros por segundo. A luz do Sol demora 8,3 minutos para chegar até a Terra. Além da luz, toda partícula sem massa e toda perturbação de campo se propaga à velocidade da luz. Para atravessar de um lado ao outro da Via Láctea, a nossa galáxia, a luz demora mais de 87 mil anos. A velocidade da luz também é a velocidade da informação. Isso significa que se conseguíssemos observar bem um planeta a 87 mil anos-luz de distância de nós, estaríamos vendo o que ocorria nele há 87 mil anos atrás.

E vice-versa. Digamos que uma civilização alienígena vive num planeta a 87 mil anos-luz de distância da Terra. Especulemos que eles tenham uma tecnologia fantástica o suficiente para observar toda a luz emitida e refletida de nosso planeta, nos mínimos detalhes. Eles veriam alguns poucos membros da nossa espécie, homo sapiens, convivendo com neandertais. Veriam mamutes. Mas não veriam nenhum de nós no continente que viríamos chamar de América, pois humanos só começaram a chegar nas Américas há cerca de 20 mil anos atrás.

A galáxia mais próxima da Via Láctea é Andromeda. Ela está a cerca de 2,5 milhões de anos-luz da Terra. A luz da Via Láctea que está chegando lá agora é a luz de uma Via Láctea cuja Terra nem sequer continha homo sapiens, que só surgem nos registros fósseis de 300 mil anos para cá. Entre 2,5 e 2 milhões de anos atrás, surgia o homo habilis, nosso primeiro ancestral do gênero homo, derivado dos australopitecos.

Andromeda, porém, está vindo na direção da Via Láctea, a uma velocidade atualmente estimada entre 100 e 140 quilômetros por segundo. A essa velocidade, as duas galáxias começarão a colidir em 4,3 bilhões de anos, terminando de se fundir em 6 bilhões de anos. No entanto, as distâncias entre as estrelas são tão vastas que, quando essa colisão entre as galáxias ocorrer, praticamente não haverá nenhuma colisão entre estrelas individuais, dado o enorme espaço que existe entre todas as estrelas de cada galáxia.

O universo está se expandido e, salvo alguma mudança em escala cósmica sem precedentes, provavelmente continuará se expandindo eternamente, o que eventualmente resultará na entropia máxima, um evento chamado de “morte do calor” pelos físicos. Isso só ocorrerá numa escala absurdamente longa de tempo, muito além de trilhões de anos no futuro. Atualmente, medindo-se pelo evento chamado de Big Bang, o universo tem cerca de 13 ou 14 bilhões de anos. Vivemos num universo jovem, onde ainda ocorre formação estelar a todo instante. Muitos sistemas solares e potenciais Terras podem surgir.

Mas estarmos vivos na juventude do universo não significa que temos todo ele ao nosso alcance. Lembre-se: a velocidade da luz no vácuo é a velocidade da informação. Ondas gravitacionais viajam na velocidade da luz. Se o Sol desaparecesse num piscar de olhos, a Terra só ficaria escura e pararia de girar em torno dele 8,3 minutos depois. E lembre-se: o universo está em constante expansão. Mais de 90% do universo que somos capazes de observar com nossos telescópios está fora do nosso alcance, mesmo se viajássemos à velocidade da luz, o que é impossível, visto que nada que contém massa é capaz de atingir essa velocidade pois isso requereria energia infinita. A maioria das galáxias está se afastando de nós mais rápido do que a luz, porque o que aumenta é o espaço entre elas, que não está sujeito ao limite de velocidade.

Daqui 2 trilhões de anos, a luz da maioria das galáxias nem sequer nos alcançará. Se houver astrônomos então, eles pensarão que nada existe além do grupo local de galáxias em que vivem. Porém, não precisamos nos preocupar com nada disso, visto que o nosso Sol terá morrido muito antes desse tempo — mais precisamente daqui cerca de 5 bilhões de anos. A Terra terá morrido bem antes do Sol, porque ele se expandirá, fritando nosso planeta e, talvez, engolindo-o. Mesmo que o Sol não nos engula, sua gradual expansão o deixará tão brilhante e tão próximo que a vida será impossível.

Mesmo se avançássemos tecnologicamente ao ponto de conseguirmos fugir daqui e atingir as estrelas, ainda assim a viagem seria longa demais e absurdamente custosa. Além do que, quase todos os exoplanetas descobertos até agora são extremamente hostis à vida, assim como são os outros planetas do nosso sistema solar. Por mais que se imagine o contrário, a verdade é que, na ausência de algum milagre, estamos aqui para ficar. Muito antes de qualquer catástrofe cósmica, a humanidade será extinta da mesma forma que a maioria das outras espécies que existiram.

Ou vamos nos tornar outras espécies através de processos evolutivos. Inclusive podemos ficar mais burros, pois nada garante que a inteligência continuará sendo uma vantagem evolutiva.

Enquanto isso, a Voyager 1 quase que certamente estará viajando pelo espaço, porque a chance dela colidir com algo é ridiculamente diminuta. É estranho imaginar que há neste momento lugares do universo cuja luz do nosso Sol viajou 100 milhões de anos para chegar. Ou seja, a luz que iluminou dinossauros está somente agora chegando em planetas a 100 milhões de anos-luz de distância. Em outros lugares, a luz de quando o nosso sistema solar ainda estava se formando, bilhões de anos atrás, ainda não chegou.

Essa é a vastidão do espaço, a vastidão do universo. É nessa vastidão que acreditamos reinar. É nela que imaginamos ser especiais por termos sentimentos produzidos por compostos químicos moldados através de incontáveis gerações; gerações essas que foram selecionadas pela natureza para sobreviver e perpetuar a espécie.


por Fernando Olszewski