Decadência
Recentemente, li um comentário feito por Jorge Cividanes, professor de ciência política da Universidade de Ottawa, no Canadá, que resume bem algo que penso há alguns anos: “Se você não é trumpista, é woke. Se você fala de impostos e serviços públicos, é comunista. Vivemos uma epidemia mundial de estupidez.” Ele aqui faz uma crítica a certos reducionismos formulaicos ridículos, reducionismos formulaicos que eu volta e meia enfrento de uma década para cá.
Não adianta explicar que não acredito em utopias, nem defendo regimes de partido único que visam transformar a sociedade baseados na ficção de que a história humana possui um rumo discernível cientificamente. Só de pensar que uma civilização, se quiser ser minimamente funcional, necessita de um estado e de serviços públicos, já me torna um comunista na cabeça de muitos. Mas esse tipo de coisa não é exclusividade daqueles que veem comunismo em tudo. Encontramos a atitude formulaica também naqueles que pensam que tudo é ante-sala do fascismo, exceto regimes aprovados por revolucionários de redes sociais.
O fato é que, correndo o risco de ser formulaico e reducionista, mas se tantos podem eu também posso, não tenho como não dar o braço a torcer e enxergar, assim como Cioran, um padrão entre os opostos políticos da nossa era. O reacionário, o conservador, projeta a era de ouro do homem — ou pelo menos de seu povo — no passado e busca recuperá-la no presente. Já o revolucionário, progressista, projeta a era de ouro do homem não no passado, mas no futuro, e busca instaurá-la o quanto antes. Para ambos, tudo ou quase tudo seria justificável caso tivessem poder suficiente nas mãos.
Isso não significa, claro, que são equivalentes. Um quer, ao menos nominalmente, emancipar o homem, acabar com hierarquias e com aquilo que considera como injustiças, o outro quer reforçar castas. Mas intenções nobres pouco importam quando a realidade se impõe e a decadência começa. E onde a decadência começa, o colapso é inevitável. Porém, a própria decadência é inevitável. A impossibilidade de qualquer coisa se manter eternamente estável no devir fará colapsar os sonhos de todos os idealizadores da polis, não importa o que defendam. Mesmo aquilo que chamo de civilização minimamente funcional entra em declínio e colapsa.
Entre 1989 e 1991, uma decadência que já se fazia presente há tempos terminou com o colapso dos regimes marxistas do leste europeu. Hoje, estamos vendo a decadência acelerar de forma diferente, mas não menos destrutiva, naquela nação que um dia foi capaz de colocar homens na Lua. Tendo crescido numa classe média sul-americana cujo sonho era mandar os filhos morar lá, algo que fiz, posso dizer que uma das coisas mais frustrantes é ver meus anciãos ainda vivos justificando as escolhas ministeriais do atual presidente eleito.
Se tivessem o mínimo de sabedoria verdadeira, entenderiam que são escolhas feitas para destruir de vez aquele império. Mas eles, assim como aqueles que se debatem e choram por impérios que não existem mais, não têm sabedoria. Vivem de sonhos, como todos os que apostam num mundo onde tornar-se e nunca ser é a única lei. Apostar em sonhos de uma cidade perfeita é ainda mais tolo do que apostar que nossos filhos nos agradecerão por terem nascido.
Parafraseando porcamente Machado de Assis em Quincas Borba: se você tem lágrimas, chore pela morte de seus ideais. Se você só tem riso, ria. É a mesma coisa. Tanto faz se você ri ou chora. As estrelas que brilhavam no céu durante a mal-fadada existência da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e que hoje brilham na decadência dos Estados Unidos da América estão alto demais e não enxergam os risos e as lágrimas dos homens.
por Fernando Olszewski